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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Perguntas sem resposta ou perguntas sem sentido?

 

 
Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
Esta é um clássico absoluto. Ela é fruto da nossa velha mania de criar fronteiras. Do nosso pensamento “digital”: Aberto ou fechado, certo ou errado, galinha ou não galinha. Da pra imaginar, por exemplo, uma jovem mamãe Australoptecínea, de repente dando à luz a um filhinho Homo Eréctus? Porque é exatamente isso que a maioria das pessoas pensa quando vê a cadeia evolutiva que levou ao ser humano moderno, em um pensamento reverso que da prioridade à classificação artificial que inventamos apenas para facilitar a referência às diferentes espécies. Mas quando dizemos que um determinado indivíduo é um Australoptecus e outro é membro do gênero Homo, eles estão separados por incontáveis gerações. E os indivíduos que se encontram no meio formam uma cadeia de sucessivas e minúsculas diferenciações que se acumulam até que a separação de espécies aconteça. Então, fazendo uso desse pensamento por fronteiras, provavelmente a primeira 100% galinha é proveniente de um ovo colocado por uma 99,99(...)9% galinha. Mas como determinar exatamente o que é uma 100% galinha? Como saber que a galinha que eu comi ontem no almoço é idêntica às galinhas que eram comidas na idade média? Quem já visitou cidades históricas, já deve ter notado que a altura das portas das casas era bem menor, sugerindo que as pessoas eram, na média, mais baixas que são hoje. Isso já sugere uma mudança, mas ainda somos os mesmos Homo Sapiens que caminharam no século 18. Mas até quanto? E mais, até quando?
 
Qual o sentido da vida?
Já viram alguém perguntar qual o sentido da eletricidade? Ou qual o sentido da fusão nuclear? Para nós, que estamos vivos, a vida é sem dúvida a coisa mais importante que existe. E nós, seres vivos racionais, temos a tendência de buscar um sentido para tudo aquilo que fazemos. Dormimos porque precisamos descansar, trabalhamos para atingir realização financeira, social, intelectual. Tudo que é artificial tem um sentido e por isso tentamos atribuir um “sentido” também a este fenômeno natural extremamente raro que é a vida. Mas precisamos nos recolher à nossa humildade e reconhecer que, do ponto de vista do funcionamento do universo, a vida não tem a menor relevância. A vida, talvez a condição mais complexa da matéria desde a sua formação, é apenas um fenômeno periférico, como uma folha em uma arvore muito grande. Se arrancarmos uma folha da arvore, nada muda, em comparação com o corte de um galho mais antigo e massivo. Da mesma forma se a vida deixar de existir o universo atual não mudará em comparação a extirpação da força eletromagnética, por exemplo, um dos galhos principais que garante a existência de várias folhinhas, entre elas a da vida. Mas no geral, nos achamos tão importantes que extrapolamos nossa capacidade de racionalizar para o mundo à nossa volta, como se tudo precisasse ser fruto de um planejamento. Inclusive a própria vida.

 
Para onde vamos quando deixamos este mundo?
   
Um comediante e musico australiano chamado Tim Minchin escreveu mais ou menos assim em um poema: “Isto aqui não basta? Este lindo, supercomplexo e incomensuravelmente gigantesco mundo natural? Em que ele falha em prender nossa atenção? Porque precisamos acreditar em mitos e histórias de monstros?” Realmente muito estranho isso. Com um universo tão vasto, porque queremos que exista mais alguma coisa? Porque acreditamos que vamos “deixar” este mundo? Nós jamais deixaremos este mundo, a menos que esse mundo se desfaça e nos leve junto com ele pra outro lugar. Cada partícula elementar que forma nosso corpo esta por aqui desde que surgiu, sendo condensada, fundida e transformada em diversas coisas diferentes até vir passar uma curta temporada em nós. E depois continua por aqui, seguindo o sentido da seta da entropia. Mas e nossa consciência? E nossa capacidade de conjugar o verbo ser? Mais uma vez nosso egocentrismo típico nos faz acreditar que a consciência humana é tão importante que merece a existência de uma realidade inteira, paralela a essa, apenas para acolhê-la após a nossa morte. Mas de todas as cerca de trinta milhões de espécies vivas que já existiram na Terra, apenas umas três ou quatro desenvolveram o que chamamos de inteligência. Entre elas nós. E as demais provavelmente dentro do gênero Homo. Então, se a própria vida é um fenômeno raro e periférico, a consciência então e ainda mais carente de representatividade. E é só uma característica de alguns indivíduos vivos, tão relevantes quanto voar ou respirar embaixo d’água. Mas pra nós ela é tudo! E somos tão apegados a ela que não queremos admitir o fato de que iremos perdê-la para sempre, quando a fonte de energia para as reações químicas hiper-complexas que a compõe cessar para sempre com a nossa morte.
 
Quem criou o mundo em que vivemos?
 
Outro exemplo de como o nosso pensamento é restringido pelo egocentrismo. Nós, seres inteligentes, conscientes, temos a habilidade de criar. E essa criatividade é, para nós, muito óbvia e dominante. Nós perguntamos quem criou o telefone celular? Quem criou as viagens espaciais? E logo perguntamos quem criou o Império Romano do Oriente? Quem criou a linguagem escrita? E finalmente quem criou a Terra? Quem criou a Via Láctea? Achamos que só porque as coisas que nós usamos no dia a dia de nossas vidinhas foram criadas por alguém consciente, inteligente, achamos que as coisas naturais também precisam de uma inteligência consciente que as criem, para que existam. Porque, mais uma vez, achamos que a inteligência é uma coisa absoluta e necessária e não apenas uma característica biológica comum nossa. Mas porque algo precisa ter sido criado, de forma deliberada e planejada? Em nosso raciocínio limitado, esquecemo-nos de considerar que, para as coisas do mundo natural, o tempo não é problema. Precisamos de criatividade para criar um vaso a partir da argila em dois dias de trabalho. Mas as estrelas levam centenas de milhões de anos para se formarem a partir de nuvens de hidrogênio, se valendo de comportamentos inerentes à física deste universo. E só porque não sabemos como foi que tudo isso começou, não quer dizer que precisemos inventar uma explicação, muito menos uma explicação baseada em conceitos e características humanas, como se fossemos o maior objetivo da existência do universo.
 

 
Antes de decretar que uma pergunta não tem resposta, precisamos antes nos perguntar se não se trata de uma perguntassem sentido. Porque se nós, em nossa infinita ignorância, não somos capazes sequer de formular as perguntas, como esperamos conhecer as respostas? Somos tão moldados pelas nossas experiências, educação, convenções sociais, tendências religiosas, preconceitos e, principalmente por nosso ego gigantesco, quanto um cachorro é moldado e limitado pelo seu instinto irracional. A única maneira de conhecer o mundo a nossa volta é conhecendo primeiro a nós mesmos, identificando quais as nossas características que podem nos cegar durante as buscas. Quais os nossos limites físicos. Em que nosso pequeno cérebro é ineficiente e não equipado para interpretar as evidencias. O que eu preciso desenvolver em mim, primeiro, antes de dar um passo maior. Mesmo em nossa vida cotidiana, muitas vezes já partimos para uma busca achando que sabemos o que vamos encontrar e aí procuramos a coisa errada. E acabamos não achando coisa nenhuma. Porque “o grande aliado da ignorância é a presunção do conhecimento”.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O que as crianças têm a nos ensinar?





_Tio Carlos, porque a Lua gira em volta da Terra?
 
Ual, sou fã desse garoto, pensei. Meu enteado tem apenas sete anos de idade, mal completados quando me fez essa pergunta. Ele sempre faz perguntas muito interessantes. Essa me fez lembrar, quando algumas semanas antes eu estava assistindo a um programa no History. Em dado momento é apresentado um diagrama esquemático em 2D da curvatura que os corpos massivos, no caso uma estrela, causam no espaço. O diagrama usava linhas cruzadas para demostrar a espécie de bojo em torno daquele astro, onde os traçados das órbitas dos planetas hipotéticos se desenhavam. Ele (meu enteado) estava comigo, sentado no sofá de olho naquilo. Eu cheguei a pensar que ele estivesse chateado porque a TV não estava sintonizada no Disney XD, mas ele me surpreendeu ao me perguntar o que significavam aquelas linhas.
 
Caramba, não sei explicar direito nem pra mim mesmo, sozinho no meu quarto, rabiscando folhas de papel. Que dirá dar uma resposta construtiva para um garotinho de seis anos (até então ele tinha seis)! E a minha saída, claro, foi a mais fácil e covarde. Disse pra ele que aquilo era muito complicado e que ele precisava crescer um pouquinho pra gente poder falar de novo sobre o tema. Ele ainda insistiu pedindo, “explica, vai, eu vou entender...”. E eu pedi desculpa, mas não dava. De repente estávamos ali tempos depois, no pátio da casa dos meus pais, brincando com uma bolinha de borracha, daquelas que se retiram em dispensers mecânicos com um real, na porta das mercearias. Ele chama de “bolinhas pererecas” e as adora. Preciso comprar pra ele mais algumas...
 
_Tio Carlos, porque a Lua gira em volta da Terra?
 
Olhei bem pra ele e pensei que não iria bancar o covarde de novo. Iria ensinar pra ele um dos conceitos da teoria clássica da gravitação relativistica. Fui até a área de serviço, peguei um balde e pedi a ele emprestada a bolinha perereca:
 
_É mais ou menos assim, ó: Tudo no universo esta espalhado em um “negócio” chamado espaço. As coisas todas cabem dentro dele, a terra, a lua, você e eu. Só que o espaço é que nem uma borracha sabe, ele estica e entorta. Quando tem uma coisa pesada nele, tipo a Terra, ele entorta formando um buraco que nem esse balde. Imagina a bolinha perereca vindo daqui, ó, e entrando no balde, ela vem muito rápida e entra assim. Ta vendo como ela fica presa, girando dentro do balde? Então. Agora vamos girar mais rápido. Ta vendo que ela sobe pela borda do balde e fica mais alta, mais longe do centro? Quanto mais rápido a Lua girar, mais longe ela fica da Terra e se ela girar rápido demais... viu! A bolinha perereca pulou pra fora! Se fosse a Lua, teria escapado pra sempre pra longe da Terra. É a mesma coisa, a Lua gira em volta da Terra, porque ela quer ir em linha reta, mas ta presa no buraco que a Terra fez no espaço, por que não consegue ir mais rápido e escapar.
 
Silencio constrangedor. Pensei comigo: “esse garoto não entendeu absolutamente nada do que eu disse”. Aí ele me olhou com aquele semblante de “Eureca!”, com o dedinho indicador pra cima e disse bem na minha cara:
 
_Haaaaaa... que nem aquelas linhas lá na televisão aquele dia?
 
Esse é um dos momentos que passei do lado dele que eu nunca mais vou esquecer, porque tentando ensinar pra ele uma coisa nova, fui eu que aprendi com ele um monte de coisas novas:
 
Numero 1: A melhor forma de aprender é perguntando. E quando a gente ouvir a resposta, precisa se esvaziar dos conceitos anteriores, pelo menos por um segundo, esquecendo as respostas que já temos montadas. Precisamos, por um breve momento, ter sete anos de novo e escutar de verdade. Depois a gente junta com o que já temos e aplicamos nossos filtros.
 
Numero 2: Não temos que ter medo de ensinar. Se sabemos a resposta, não é pra ser guardada. O conhecimento não é uma propriedade e ninguém é inapto a recebê-lo. Cabe a nós apenas achar a linguagem correta para atingir nosso interlocutor.
 
Numero 3: Ensinar, nos dá uma compreensão muito mais profunda do que já sabemos e, às vezes, é uma oportunidade de rever os conceitos e melhorar a ideia.
 
Numero 4: Ver uma criança aprender uma coisa nova com você é muito bom!

domingo, 25 de março de 2012

Conheça-te a ti mesmo!


Eu tenho fome. Uma fome insaciável, que cresce a medida que eu tento mata-la. É a fome de conhecer. Às vezes é como se eu fosse uma lagarta, subindo pelo tronco de uma arvore. Aí eu chego a uma bifurcação entre dois galhos e penso: “depois que eu explorar este galho da direita, volto lá pra subir o da esquerda...”. Mas aí vem outra bifurcação e outra e outra e eu continuo subindo, mas sempre aflito para terminar cada um dos lados, pra eu voltar e subir os outros que vão sendo deixados para traz. Cada vez que se aprende uma coisa nova, sobre uma determinada propriedade do mundo, mais e mais perguntas vão sendo acumuladas à medida que uma única resposta se descortina. Cada nova camada de conhecimento é tão maior que a anterior que chego a perder o fôlego. Tenho a sensação de que a última camada é como uma singularidade às avessas: Um raio infinito de perguntas com uma densidade nula de sabedoria para respondê-las.
Mas apesar de saber que a empreitada é vã, que nunca vou saber tudo, continuo perguntando, lendo, vasculhando, horas e horas no Youtube, na Wikipedia, na Scientific America, na livraria ou simplesmente com os olhos fechados, pensando e tentando teorizar minhas próprias respostas. Tentar saber tudo é como uma brincadeira prazerosa, daquelas em que não se é muito bom, todo mundo ganha de você, mas não se consegue parar de jogar. E mais ainda, uma brincadeira fácil, farta e disponível em qualquer lugar. Para começar, todo mundo me ajuda a aprender um pedaço do todo. Cada vez que converso com alguém escuto e guardo algo de surpreendentemente elucidativo e sábio. Tudo que é escrito tem uma informação relevante, de um livro com 900 paginas ao rótulo de um refrigerante barato. A internet é um tipo de buraco negro da informação, que suga tudo o que todo mundo sabe e plota em 2D no horizonte de eventos da tela, em uma versão lúdica do principio holográfico de Leonard Susskind. E da pra acessar tudo, de um blog despretensioso como este até uma aula sobre física de partículas gravada na USP, na tela do aparelho de celular enquanto espero minha vez no consultório Odontológico. Aí ouço aquele barulho maligno e me pego digitando no Google: “como funciona o motorzinho do dentista”.
Quase todos os assuntos me interessam. Já passei meses lendo (e não entendendo quase nada) as teorias de Halking sobre os buracos negros. Já me empanturrei de biologia evolucionaria com Dalkins. Já devorei gigabites sobre a formação e evolução das galáxias. História do Império Romano, tectônica de placas, evolução mineral e geogênese, religião, programação neurolinguística, literatura, neurociência, mecânica da fratura, ótica, psicologia, filosofia... Tantos galhos, nos galhos tantas folhas e nas folhas tantas nervuras. Falta-me a memória e as informações vão sendo apagadas, para que novas sequencias sejam registradas ou simplesmente empilhadas como que por um trator. O cérebro não consegue sequer digerir o que seu apetite consome. E nos departamentos da minha mente os setores mais prósperos são o das perguntas e o da ignorância. Cada dia percebo um pouco mais a extensão do meu próprio desconhecimento. Espetacular!
Quando digo que quase todos os assuntos me interessam é porque recentemente descobri que um assunto em particular nunca mereceu minha atenção por mais que uns poucos segundos, em um dia de ócio criativo total. O assunto “Eu Mesmo” nunca me apeteceu. O que, se pensarmos bem é uma coisa muito esquisita, porque se trata da iguaria mais facilmente obtida, próxima das mãos. Entretanto era um sabor que jamais teve lugar em meu paladar pouquíssimo exigente, tamanha a pequenez que este tema me representava. Foi preciso um amigo querido, por acaso um excelente cozinheiro literal (dizem, pois jamais o submeti a esta prova), cozinhar metaforicamente o tema e servir ao meu cérebro em uma apresentação tão elaborada, que não resisti. Fartei-me, tanto quanto dos quitutes de sua amável mamãe.
Ora, quando li os resultados do teste simples que ele fez, fiquei atordoado com a tão perfeita descrição de mim mesmo, em uma coleção de detalhes que eu jamais pude montar sozinho. É como se eu tivesse me conhecido naquele minuto, como a uma ciência nova, recém-incluída no cardápio universal. Virei um apaixonado pela “Eulogia” e descobri o sabor de conhecer a mim mesmo. Percebi que isso me permitiria usufruir melhor do banquete da vida, aprender melhor, me relacionar melhor com o próximo, produzir mais e ser mais feliz. E olhando para traz, lembrando algumas frações do que já aprendi sobre as pessoas, me pergunto quantos não experimentariam a mesma surpresa que eu? Parece ser uma tendência nossa o foco no exterior, olhando sempre para fora, sem saber muita coisa do que acontece em nosso íntimo. Se alguém quiser uma opinião verdadeira sobre si mesmo, na maioria das vezes precisa perguntar a outra pessoa...
Então, o tema da vez agora sou eu mesmo. Uma brincadeira mais difícil, um tipo de informação com disponibilidade mais restrita, com mídia menos amigável. Mas um alimento muito nutritivo para a vida. Sugiro a você o mesmo prato autofágico. Está servido?

quinta-feira, 8 de março de 2012

O ser mais poderoso da Terra



Minha mãe cuida de mim. Não me refiro a preparar minha comida, lavar minha roupa e fazer sobremesas. Isso eu posso fazer sozinho. Ela cuida do meu bem estar, verifica minha saúde, me conforta quanto estou deprimido, me aconselha quando tenho dúvidas, usa os seus exemplos de vida para iluminar o meu caminho. Minha mãe é uma mulher indispensável na minha vida.

Minha irmã cuida de mim. Não estou falando de arrumar o meu quarto, controlar o quanto eu bebo ou me lembrar dos meus compromissos familiares. Isso eu também posso fazer sozinho. Estou falando de me fazer sentir como se eu fosse um herói... De mandar uma mensagem de vez em quando dizendo que me ama, para eu ter força, de se sentar na minha cama, colocar a cabeça no meu colo e dizer do nada: “Tudo bem?”. Minha irmã é uma mulher indispensável na minha vida.

Meu Amor cuida de mim. Não estou falando de me levar ao médico, organizar minha agenda e enfaixar minhas articulações. Eu faria isso sem ela. É que ela cuida pessoalmente da minha felicidade. Ela é a mantenedora de todas as minhas alegrias. Faz-me sentir belo, forte, inteligente. Segura a minha mão e diz, “vamos lá!”. E quando percebo estou vivendo a melhor das vidas. Meu Amor é uma mulher indispensável na minha.... digo, meu Amor É minha vida.

Minha melhor amiga cuida de mim ouvindo incansavelmente meus desabafos e me ajudando a tomas decisões importantes. Empolga-se com meus assuntos chatos, ri comigo, chora comigo... Ela e todas as minhas amigas são imprescindíveis.

Até a cozinheira no trabalho cuida de mim tentando manter limpa a minha xícara de estimação, para que eu não contraia uma bactéria, e me recebendo na cozinha dela para um café nos picos de stress. E a secretária, que cuida de mim mantendo longe todas as ligações inconvenientes com grandes lances de criatividade? Todas as mulheres da minha vida cuidam de mim de alguma forma.

Um dia, talvez minha filha irá cuidar de mim, mais até que eu cuidarei dela. Vai saber...

É que a Mulher tem esta infinita capacidade de cuidar. É como se ela tivesse um pacto com a Vida Humana. É como se além de ser a responsável por distribuir as porções de vida entre nós, também se encarrega de fazer com que nós as aproveitemos ao máximo. E em troca elas recebem da Vida a grandiosa recompensa de serem Mulheres! O auge da complexidade da própria Vida neste mundo! O mais poderoso dos seres vivos.

Porque a força, a verdadeira força humana, não está nos músculos de um fisiculturista, na velocidade e resistência de um corredor ou na agilidade de um ginasta. Nisso, os chimpanzés são melhores do que nós, só para citar um exemplo. A força do ser humano está na capacidade de enfrentar as dores da Vida e sobrepujá-las. Ser fortes, rápidos, resistentes e ágeis lá dentro do nosso coração é que é difícil. E essa capacidade a Mulher recebeu em uma medida muito maior que nós, Homens, tão fortes por fora e tão quebradiços por dentro.

Minha mãe consegue manter um lar cheio de alegria para mim, mesmo guardando dentro dela um abismo de tristeza. Minha irmã sabe encher meu coração de confiança e coragem mesmo sofrendo com seu próprio medo. Meu Amor soube ressuscitar a minha paixão, mesmo quando seu coração estava em pedaços. Minha melhor amiga sente dor todos os dias, mas nunca deixou de me dar um sorriso. E eu... Eu já deixei minha mãe triste, já amedrontei minha irmã, já fui insensível com meu Amor e já fui rude com minha melhor amiga. Eu queria um dia ter a metade da força dessas mulheres. Eu queria ser capaz de seguir sem ajuda por aí como elas fazem. Queria não precisar que cuidassem de mim, assim como elas não precisam.

Como Homem, eu quero dizer às Mulheres obrigado. Quero dizer desculpa. Quero dizer meus parabéns. E queria dizer outras coisas, que sempre ouço de vocês, mas nunca fui forte o bastante para dizer. Sei que continuarão corajosas, altivas e eternas em sua nobre missão de representantes máximas da Vida neste planeta azul.


Para Juliana.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um incêndio, uma cruz e uma sombra



Júlio Cesar era apaixonado por Cleópatra. Naquele tempo, ele não reinava sozinho, era membro do primeiro Triunvirato, dividindo o poder com Marco Tulio e Pompeu, seu inimigo mais odiado. Em sua guerra civil pelo poder, Júlio perseguiu Pompeu até o Egito, onde houvera obtido a proteção e o apoio militar de Cleópatra, então irmã e esposa do faraó Ptolomeu XIII, bem mais jovem que ela. Cesar derrota Pompeu, recebendo sua cabeça em uma bandeja, juntamente com seu anel. Conta o filosofo Plutarco que ele chorou diante dos restos do inimigo derrotado. E ele conta também o resto da estória.

Cleópatra então, desejosa do poder, marca um encontro sub-reptício com Cesar, para negociar o futuro do país. Diante de sua famosa beleza, ele cai de amores e determina que fosse ela a responsável pelo regime. O desfecho do enredo se dá em Alexandria, a maior cidade do planeta até então: Ptolomeu se afoga tentando fugir, seus tutores são todos mortos, à exceção de um que tenta fugir para obter socorro. E Júlio Cesar ordena que todos os barcos sejam incendiados para impedir sua fuga pelo mar.

Acontece que o fogo atinge o píer. Do píer se alastra por todo o porto. E finalmente consome a Grande Biblioteca de Alexandria. Fundada no século III A.C. ela não era “apenas” a maior e mais completa biblioteca do mundo com seu um milhão de livros catalogados. Era o maior instituto de investigação da antiguidade clássica, dedicado ao estudo de todas as coisas. Foi o primeiro dos grandes golpes que levariam a biblioteca à ruina. Como o levante dos cristãos contra Hepátia, única mulher a dirigir a instituição, Astrônoma, Matemática, mas, infelizmente (?), Pagã. Ela provavelmente foi a última bibliotecária.

A Biblioteca de Alexandria tinha um observatório astronômico, laboratório de anatomia, exemplares de animais de diversas partes do mundo, e recintos destinados a cada ciência praticada na época. E tinha livros! Emissários eram enviados ao mundo para comprar bibliotecas inteiras e de todos que entravam na cidade a guarda confiscava todos os livros portados que eram copiados e depois devolvidos. Há citações mencionando livros de Erástones, um dos primeiros diretores, versado em varias ciências e que foi o primeiro a notar que a terra era esférica, através de uma observação simples e genial. Havia Herófilo, médico fundador do Método Científico, que deduziu que o pensamento estava no cérebro e não no coração. E conta-se de um livro de Aristarco, Astrônomo que foi o primeiro (realmente) a perceber que a Terra não era o centro do universo, como a Igreja postulou pelo milênio seguinte a custa de coação e violência. Ele não apenas percebeu que a terra girava em torno do sol, como conseguiu calcular as distancias (com erros, naturalmente) entre os astros principais e deduzir que as outras estrelas estavam locadas a distancias gigantescas. Quase dois mil anos antes de Kepler.

Se os conhecimentos reunidos em Alexandria tivessem sido aproveitados pelas gerações seguintes de pensadores, ao invés de aguardar séculos pelos historiadores modernos, em que nível tecnológico estaria nossa civilização? Impossível saber. E mesmo esta especulação é irrelevante, de certo modo, porque a destruição da Grande Biblioteca, sete séculos após sua fundação, coincide mais ou menos com a extinção dos pensadores na linha de tempo da história ocidental. É o fim de uma era de valorização do conhecimento para a ascensão de uma longa era de domínio da religião. É o fim do pensamento livre, para dar lugar aos dogmas oficiais. Uma era de guerras, degradação cultural, retrocesso, ignorância, superstições, disputas inúteis e violência que culmina na Idade Média, a chamada “Idade das Trevas”.

Apesar de nosso avanço, estamos muito atrasados. O Renascimento do século 17, com o retorno da liberdade intelectual e do questionamento saldável, demorou demais a chegar. Hoje já mapeamos bilhões de anos luz do Universo e buscamos pela última das partículas que compõem o átomo (ou não será a última?). Conhecemos mecanismos quânticos que explicam alguns dos mais sutis comportamentos dos seres vivos e encontramos planetas capazes de abrigar vida a centenas de bilhões de quilômetros. Mas e se o Renascimento tivesse vindo 200 ou 500 anos antes? E se a Grande Biblioteca não tivesse sido queimada? E se a religião não tivesse perseguido e subjugando a inteligência do Homem? O que saberíamos hoje? Que doenças estariam curadas, que mundos conheceríamos, como seria nossa relação com o meio ambiente, como nos comunicaríamos...?

O mais triste é perceber que o Renascimento ainda não chegou por completo. Uma enorme parcela da sociedade vive nas trevas, algumas pessoas cerceadas por governos totalitários, mas outras por livre e espontânea vontade! Estas sim são dignas de preocupação. Muitas ainda fazem guerra para saber qual deus é o mais poderoso e muitas bibliotecas são queimadas, mesmo que metaforicamente, pelo mundo afora. Até hoje o pensamento é censurado pela superstição, pelo medo e pela ignorância. Temos que remover logo as insigneas, as bandeiras, as cruzes e luas crescentes que insitem em eclipsar o sol de nossa inteligência.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Poeira de Estrelas


"Há de surgir uma estrela no céu cada vez que 'oçê' sorrir...
Há de apagar uma estrela no céu cada vez que 'oçê' chorar..."

O contrario, também, bem que pode acontecer, se levarmos em consideração o número quase impronunciável de galáxias espalhadas pelo firmamento. Cada uma delas lar de bilhões de estrelas. Cidades grandes onde elas nascem e passam suas infâncias brincando com planetas, luas e cometas. Se relacionam em grandes comunidades e bairros estelares, circulando pelas highways galáticas a grandes velocidades. Envelhecem perdendo sua aparência original e finalmente morrem. Exatamente como cada um de nós, a todo instante uma estrela nasce e outra morre, nos confins da nossa galáxia e de todas as outras.

As estrelas nascem de grandes "nuvens moleculares" de gás, poeira, rochas, gelo e elementos químicos diversos, colecionadas preferencialmente no perímetro galático e suas vizinhanças. Em nosso campo de visão existem diversas dessas maternidades estelares, onde agora mesmo um incontável número de protoestrelas estão se formando, embriões que podem nascer a qualquer momento. Podemos citar a grande nebulosa do Caranguejo, a nebulosa da Cabeça do Cavalo, os Pilares da Criação e muitas outras. Nascem graças ao fenomeno da acresção, uma propriedade do nosso universo que faz com que a matéria sempre tente permanecer unida, se ajuntando para formar amontoados de densidade sempre maior. Aos poucos estes "grumos" passam a exercer um campo gravitacional suficientemente relevante para atrair o material ao redor, que aos poucos começa a girar mais e mais em uma espiral em direção àquele novo centro de massa, caindo e girando cada vez mais rápido e em maior quantidade. E com a elevação da densidade e da velocidade, a temperatura começa a subir, até que se atingem condições para o início de reações nucleares de fusão. Neste momento, a estrela se incendeia, irradiando a energia que, equilibrando a enorme pressão gravitacional, a manterá viva pelas eras seguintes.

As estrelas morrem, quando todo o seu combustível nuclear se acaba. Ela começa a vida fundindo Hidrogênio em Hélio, depois o Helio em Litio, o Lítio em Berílio e assim sucessivamente ao longo da tabela periódica, gerando energia para sobreviver e, ao mesmo tempo, forjando os elementos básicos da química complexa e da vida. Dependendo do tamanho da estrela e consequentemente do poder de seu campo gravitacional, ela pode continuar nessa produção de elementos cada vez mais pesados, até o ferro, no coração de seus núcleos. Mas um dia ela não consegue mais e sua vida chega ao fim. Estrelas pequenas têm vidas loooongas, produzem poucos elementos e morrem de forma discreta. Como nosso sol que viverá uma vida de 8 bilhões de anos, terminará como uma anã branca de carbono e morrerá em uma nebulosa planetária, projetando suas camadas externas lentamente como uma bruma cósmica. As grandes tem vidas curtas, de algumas centenas de milhões de anos, geram os elementos pesados necessários à nossa civilização e morrem em violentas explosões, espalhando seus corpos pelo espaço e fertilizando outras nuvens moleculares. São as Supernovas, uma das classes de explosões mais poderosas observáveis.

As Supernovas são tão poderosas que são capazes de continuar as reações de fusão, produzindo em segundos o que a força da gravidade não conseguiu produzir em milênios a fio. O ouro, o urânio, o Tungstênio... tudo abaixo do ferro na tabela periódica surge nestas explosões. Sabe-se que no início da formação do universo as estrelas eram todas colossos de vida curta e mortes violentas. E foi devido à morte de uma ou mais dessas matriarcas que nosso sistema solar pôde ter a riqueza química de hoje, com o carbono, o nitrogênio, o oxigênio e a água em abundância para que nós tenhamos nascido. E com os metais preciosos de nossas jóias, os elementos radioativos em nossos hospitais e os minerais de terras raras no touch screen de nossos smartfones. Cada átomo do nosso corpo e de tudo no mundo já esteve um dia na caldeira nuclear do coração de uma estrela super gigante, morta e reciclada para formar o nosso Sol, uma criança amarela de 4,5 bilhões de anos. E também os seus brinquedos giratórios dentro da grande nuvem de Hort. E dentre estes brinquedos, o nosso planeta Terra.

Como disse o grande Carl Sagan e repetido por muitos como um grande clichê, "somos todos poeira das estrelas!" E quando morremos, devolvemos à Terra esta poeira. E quando a Terra morrer,  pulverizada pelo Sol em sua velhice de Gigante Vermelha, a poeira volta para o espaço cósmico, mesclada com os restos mortais desta nossa estrela favorita. Irá alimentar outros nascimentos, de outras estrelas e talvez planetas e luas e cometas... Assim é a realidade da matéria, apenas um empréstimo que será cobrado um dia. E temos todos que devolve-la. Nada é eterno. Nem o Sol nascerá para sempre em nossas manhãs. Ele surgiu provavelmente no exato momento em que algum ser vivo, de alguma galáxia distante, sorria à sua maneira alienígena. E do mesmo modo, algo estará chorando, em algum lugar, quando ele se apagar para sempre.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O que aparecerá depois da névoa?


Já em adiantada leitura de um extraordinário livro do Ronaldo de Freitas Mourão, que comprei em um excelente sebo no Catete, me peguei fazendo notas de rodapé com minha lapiseira. De repente, entretanto, percebi a disparidade da minha ousadia. Trata-se, "apenas", daquele que pode ser o maior astrônomo da história brasileira, fundador do Museu de Astronomia e Ciências Afins.  O que teria eu a acrescentar às conclusões de um verdadeiro campeão da ciência? A obra em questão se chama "O universo inflacionário" e é particularmente belíssima pela simplicidade e sobretudo a acessibilidade com que discorre sobre a dinâmica de nosso universo, de forma que mesmo um leigo como eu é capaz de compreender e ser absorvido pela leitura. Ocorre, porém, que a edição que leio é de 1983 e, de lá para cá, muita coisa foi descoberta e as dúvidas que antes tinham ares de mistério, mesmo para um escritor do calibre de Mourão, agora são de domínio de uma pessoa tão comum como eu.

O livro fala dos intrigantes "Quasares", objetos que estavam muito além das galáxias mais distantes do cosmo. Ora, hoje sabemos que os Quasares são apenas a visualização direta e perpendicular do jacto de partículas e radiação que é regurgitado pelos buracos negros supermassivos, presentes no núcleo de quase todas as galáxias. Fala também da estranheza da dinâmica dos braços das galáxias espirais, sem levar em consideração a interação gravitacional com a matéria escura. Ele, esperançoso, cita o lançamento iminente do telescópio espacial, que poderia elucidar como se interagem os superaglomerados de galaxias. hoje, após varios observatórios espaciais (Hubble, Spitzer, Chandra, Kepler, etc), projetos de mapeamento global do cosmos (Galaxi Survey, GALEX, etc) e poderosas simulações computacionais (como a Milenium), já se conhece a grande teia cósmica, com os grandes superclusters grudados em filamentos e nós pela atração "viscosa" da matéria escura.

Um dia, a chuva já foi um grande mistério, atribuído a divindades e implorada por meio de sacrifícios de animais e pessoas, antes de conhecermos o ciclo da água e os caprichos da meteorologia. Até pouco tempo, a força gravitaional, quando aplicada através do vácuo do espaço, perturbava a física de Newton, levando ao conceito equivocado do "eter". Hoje, depois da Relatividade Geral, conhecemos a geometria variável do espaço tempo e sua interação com os corpos massivos. Hoje, quando pegamos nosso caderno de calculo do primeiro período, poderemos achar fáceis os exercícios que nos tiravam o sono na época. Mesmo sem nunca mais termos praticado. Hoje as crianças parecem muito mais espertas do que fomos nos anos 80, sem os canais a cabo, os videogames sem joystick e os tablets. Quanto mais caminhamos para frente, mais a névoa se afasta, e mais horizonte aparece em nosso campo de visão.

Mesmo as nossas mais inabaláveis certezas e medos, podem um dia não passar de fantasias infantis do passado. Basta imaginar o quão maior será nossa capacidade de ver e entender. Como nossas experiências irão mudar nossa visão? até onde passaremos a enxergar? Só saberemos se abandonar-mos o conforto da privilegiada posição que ocupamos, de onde podemos ver tudo até a névoa lá adiante e caminhar em direção a ela. Caminhar para o desconhecido. Se perder faz parte do processo de se encontrar e encontrar seu lugar cada vez mais próximo da verdade. Apenas pela ousadia, ultrapassamos o nevoeiro da ignorância.